sexta-feira, janeiro 13, 2012

Das eleições à democracia



O tempo parece que voou, mas olhando para os meus cabelos brancos e exactamente para os 21 anos de jornalismo tenho de concluir que, na verdade, já se passou quase um quarto de século desde que, no dia 13 de Janeiro de 1991, os cabo-verdianos escolheram pela primeira vez, de forma livre e democrática, a quem entregar os seus destinos num determinado período de tempo.

Lembro-me agora que não votei. O dia começou cedo, pelas 6 horas da manhã já me encontrava na sede da então Televisão Nacional de Cabo Verde para coordenar toda a cobertura das eleições. Tinha entrado para a TNCV seis meses antes, depois de um ano de experiência como comentarista de política internacional na Rádio Nacional de Cabo Verde em regime de colaboração.

Estava a dar os meus primeiros passos na profissão que sempre desejei. Decidi, na altura, deixar de lado o diploma universitário e a profissão que aprendera, para fazer o que mais gostava.

Sendo assim, enquanto aprendia com colegas, muita leitura e prática, optei por fazer programas e estava muito feliz quando, em Novembro de 1990, e depois de uma série de movimentações na TNCV - com cartas ao ministro de então, respostas e contra-respostas -, a então Chefe de Informação demitiu-se e o colectivo exigiu que o próximo responsável do departamento fosse eleito. Depois de muita insistência, porque não pertencia à Informação, aceitei que o meu nome fosse para o boletim e, ainda antes de 13 de Janeiro, fui eleito Chefe do Departamento de Informação, com a responsabilidade de cobrir a campanha e eleitoral. Na altura coloquei uma única condição: no dia 14 de Janeiro, alguém tomaria o lugar porque o meu era no Departamento de Programas.
No dia de todas as verdades, a azáfama foi muita porque ninguém tinha experiência de coberturas eleitorais, os meios eram aqueles que tínhamos e estávamos sempre entre os tiroteios do PAICV e do MpD. A transmissão começou às 18 horas e uma grande maratona de entrevistas, debates e espaços culturais tomou conta do Estúdio 2, que foi re-inaugurado nessa noite. Dentro das nossas possiblidades, a cobertura foi muito boa.

Eu, no entanto, não votei porque não pude abandonar o barco nem por um minuto. No dia 14, dirigi um programa com o rescaldo do dia anterior e no dia 15 regressei ao meu lugar no Departamento de Programas.

Passados 21 anos, reparo que somos campeões em eleições, apesar das polémicas que teimam em persistir. Assim como em 1991, ouvimos falar e assistimos a cenas de compra de consciências e da mesma forma descobrimos tentativas de fraudes, num cenário em que todos são pecadores, ninguém é santo.

Assim como em 1991, a imprensa é culpada até da derrota de quem não festeja, como se fosse ela a votar, passando assim um atestado de incompetência aos eleitores. Do mesmo modo, quem ganha se acha no direito de povoar a Administração Pública e o sector empresarial do Estado, ao mesmo tempo que tudo é feito em função de amarelo ou verde. É claro que melhorámos muito neste quesito particularmente nos últimos anos.

O Economist considerou Cabo Verde a 26a. democracia do mundo e todos nos orgulhamos disso. Na verdade, e tirando o galanteio crioulo, quando nos comparamos com alguns vizinhos e outros mais distantes, podemos andar de cabeça levantada.

No entanto, sempre há um no entanto, apesar do sistema funcionar, considero que temos um longo caminho a percorrer para conseguirmos uma democracia funcional em pleno. Aqui corroboro as opiniões do Presidente da República e do Primeiro-Ministro, quando defendem uma "democracia com reforço dos poderes de vários sectores da sociedade" e que "o multipartidarismo se constrói dia a dia", respectivamente.

Fico com a ideia de  existir um pensamento no país de que a democracia tem como principal objectivo a realização de eleições e a alternância no poder. Nada mais falso e os exemplos existem por aí. As eleições e a alternância no poder são apenas instrumentos para o exercício da democracia que passa por uma sociedade gerida a favor do bem comum, com direitos e deveres iguais, em que o cidadão é respeitado pelo cidadão e pela Administração e em que o Estado existe para servir os cidadãos e permitir que estes possam criar e distribuir riqueza.

De um lado, os actores políticos, na sua maioria, continuam a pensar que o sistema funciona através deles e, por isso, teimam em manter uma agenda de acordo com os seus interesses e, em especial, com o seu tempo de mandato, tanto no poder como na oposição. Do outro lado, a sociedade continua à espera que o Estado construa a democracia e dê tudo de mão beijada, desde emprego até à participação cívica.

A propósito, noto que a sociedade se deixa levar por ondas de manifestações, muitas vezes manipuladas por interesses do próprio sistema político (partidos e sindicatos, por exemplo), em vez de se afirmar como força de pressão permanente e soldado da cidadania.

O movimento "occupy" é uma prova como as simples revoltas não levam a nada, a não ser algumas manchetes dos jornais e tv nos primeiros dias, carga policial e, no final, uma terrível sensação de frustração e impotência. Enquanto isso, a Primavera Árabe revelou-se muito mais do que um protesto, mas uma exigência das sociedades oprimidas que, pela força da razão, conseguiram se libertar de tiranos.

A democracia não é um sistema de organização do Estado, apenas, mas uma forma de vida em sociedade. Chegaremos lá.

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