segunda-feira, setembro 08, 2008

Meu amigo o padre Bernardo

Há sensivelmente 18 anos alguém tocou à porta da minha casa, em Achada de Santo António. Era noite. Abri e, para minha surpresa, dei de caras com o meu antigo professor de Latim e bom amigo, padre Bernado. Na sua costumeira correria, apenas teve tempo para me perguntar pela familia, dar-me um abraço e dizer um até breve. Fiquei com vontade de falar com Ti Padre, como era conhecido no Liceu Ludgero Lima, no Mindelo. Perdi-lhe o rastro.

Tempos depois, de visita a S.Vicente, preguntei por ele e alguém me disse que tinha sido transferido não sei para onde, castigado. Como? Perguntei. Castigado? Quem o castigou? Embora o padre Bernardo não fosse infalível, gostaria de saber quem foi que lhe atirou essa primeira pedra. Fiquei triste e sempre que encontrava alguém que pudesse me responder à pergunta "Onde está o Ti Padre?", indagava, mas nunca tive resposta.

Hoje, 8 de Setembro, os que puderam foram ao 1888 dar o último abraço ao meu amigo. Não gosto de oferecer flores aos mortos, por isso, passam-me pela mente agora imagens da minha velha amizade com o padre Bernardo. No liceu, seja na sala de aula ou nos corredores, no seu machimbombo, como chamávamos o carro que nos levava ao meio-dia e meia do Liceu à Praça Nova, nas ruas de Mindelo, vi um homem de H grande, o qual se movia, pura e simplesmente, pelo amor e pela compaixão. Tinha defeitos como todos, mas as suas virtudes se sobrepujavam a qualquer erro humano.

O padre Bernardo tinha uma grande amizade a admiração pelo meu pai, pastor nazareno. "Mas como assim, um padre e um pastor nazareno amigos?", questionou há pouco um amigo meu, por sinal católico, a quem também perguntei pelo Ti Padre. Mas é verdade, todos os anos o padre Bernardo ia visitar o meu pai na época do Natal para desejar-lhe Boas Festas. Um dia chegou a dizer-me que a única diferença entre os dois era a indumentária: ele usava batina e o meu pai usava fato. A propósito das conversas entre os dois, ele comentou um dia com o meu pai: "Seu filho era um bom 'abusado', mas sinto a falta dele nas salas de aula". Fiquei sem saber se tal afirmação era elogio ou crítica.

Não sei se os alunos do Ti Padre aprenderam alguma coisa de Latim. Eu melhorei um pouco o meu português, por incrível que pareça, mas pouco mais. O certo é que todos que tiveram o privilégio de conviver com ele, conheceram um homem íntegro, amigo, de um grande coração e muito compassivo. E quanto à sua capacidade intelectual é melhor não falar.

Um abração, amigo padre Bernardo.

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