domingo, março 20, 2011

Fui ao otorrino

Na verdade foi mais barato do que ir a uma clínica para limpar os ouvidos. Quinhentos escudos a menos.

Como sempre vem acontecendo nesses últimos tempos, o auditório da AN encheu-se para ouvir música de qualidade. Um parêntesis: gostei imenso da iniciativa dos CVMA e é um evento que veio para ficar e que deve ficar. Tem o seu espaço. No entanto, os meus ouvidos ficaram muito afectados ao "descobrir" que a melhor voz masculina de Cabo Verde é Beto Dias ou que uma música, apesar da linda mas muito elementar melodia, com apenas oito linhas de texto, foi a melhor produzida nos últimos dois anos. Fecho o parêntesis: por isso fui correndo comprar bilhete para ver e ouvir João Bosco.

A sala estava composta e os presentes se deleitaram com cada interpretação do homem que gravou um disco (era disco nesse tempo) do qual se falava num "tal de bosco e o Tom de António Carlos Jobim".

Não sou um profundo conhecedor da sua discografia, ouço muito mais Tom, Caetano, Gal, Chico, Adriana Calcanhoto, entre outros, mas sempre que ouvia João Bosco me deleitava com a sua criatividade. A música para ele é criação e espontaneidade. O resto é som apenas.

Durante menos de hora e meia, apreciei também os sons que ele tira da sua guitarra, os diversos sons que retira do seu abdómen (outros dizem garganta, não sei) e o prazer de dois dedos de conversa de quem continua a acreditar que música é poesia e não batimentos.

Soube que a 3B Produções tem na forja trazer Caetano Veloso, que se mostrou interessado em vir à terra. O problema é espaço para receber esse "monstro sagrado" da MPB. É claro que depois de João Bosco, só Caetano. Mais um otorrino de referência para limpar-nos os ouvidos desses dj´s.

2 comentários:

Vuca Pinheiro disse...

Meu caro Álvaro,

Permite-me aproveitar o teu “parêntesis” neste artigo dedicado a um dos maiores artistas brasileiros, que eu admiro tanto e que é João Bosco, para adicionar algo que eu duvido tenha passado despercebido à maioria de cabo-verdianos de boa fé e de boa memória neste recente evento que se chamou de CVMA.

Que a iniciativa é louvável, não há dúvida, e por isso daquí congratúlo-me com os seus organizadores. Que, como bem disseste, “tem o seu espaço”, também parece não haver dúvidas. Eu ainda acrescentaria: “já não era sem tempo”. Contudo não posso deixar de apontar um “senão” neste teu artigo por absoluta falta de outra oportunidade como esta.

É profundamente lamentável que na terra que viu nascer Eugénio Tavares, B.Leza, Jotamont, Manel D’Novas, Paulino Vieira, Frank Cavaquim, Ti Goy, Betú, (só para citar alguns), se consiga juntar todos esses monstros sagrados e jogá-los num saco denominado “Morna/Coladeira” e compará-los (numa mesma linha de qualidade) a um DJ, um Rap, um Zouk, etc e tal.

Aonde estão os defensores da real cultura cabo-verdiana?!... Será que os mais antigos elementos da nossa cultura musical tradicionalalista (morna e coladeira) não mereciam estar em categorias distintas?!... Será que são menores em categoria a um Zouk ou a um Rap?!...

Finalizando, e apelando ao bom senso de homens da cultura, que eu sei existem no nosso amado Cabo Verde, no sentido de promovermos a cultura cabo-verdiana sem sectarismos, sem “exclusividade”, sem visões unilaterais, sem pressões externas, sem desprezo e sem… (advinhem tudo o resto)…

Ainda acho que cabe aqui lembrar que não se faz cultura. A cultura é o resultado de algo praticado pelo povo (e por tal “cultivado” pelo povo) por um periodo considerável (e com isso quero dizer quarenta, cinquenta, cem anos) e principalmente aceite pela maioria do povo.

Vuca Pinheiro

Álvaro Ludgero Andrade disse...

Prezado Vuca, ter-te por aqui e com um comentário destes é privilégio. Assino por baixo, não entendi nem vou fazer nenhumm esforço para entender aquela história de morna/coladeira, enquanto outras modernidades, sem dúvida passageiras, têm direito a categorias individuais. Grande abraço.