sexta-feira, dezembro 30, 2011

A (minha) retrospectiva de 2011



Para manter a tradição, publico aqui uma retrospectiva resumida dos principais factos que marcaram o ano que ora termina em Cabo Verde, na minha óptica. O artigo, elaborado para e publicado pela Portuguese News Network (www.pnn.pt), limita-se a destacar alguns dos principais factos de 2011.

Feliz Ano a todos, com muita paz, realizações e amor. Deus tem muito mais para cada um.

O ano que agora termina em Cabo Verde foi essencialmente marcado por três eleições, falecimento de figuras marcantes na história do país, crise financeira e desmantelamento de uma das maiores redes de droga.

No campo político, os destaques vão para a terceira maioria consecutiva do PAICV liderado por José Maria Neves e a eleição de Jorge Carlos Fonseca para a Presidência da República.

A campanha para as legislativas de 6 de Fevereiro foi considerada por observadores políticos a mais “quente e importante” desde a implantação da democracia em Cabo Verde em 1991.

De um lado, o PAICV, depois de uma década no poder e em que viu Cabo Verde atingir o patamar de País de Rendimento Médio e conseguir excelentes resultados a nível económico e nas infra-estruturas, apostou tudo num terceiro mandato, na tentativa de quebrar assim o tradicional ciclo de dois mandatos nas democracias ocidentais.

Do outro lado, o líder histórico do MpD Carlos Veiga regressou à política activa depois de 10 anos como o “salvador” do partido e apostou toda a sua imagem e percurso político para evitar mais uma vitória do PAICV.

Depois de uma dura campanha, marcada por promessas exageradas, críticas exacerbadas, muito dinheiro em publicidade e os primeiros debates televisivos e radiofónicos entre os candidatos a primeiros-ministros, o PAICV venceu as eleições e consagrou José Maria Neves como o primeiro líder político cabo-verdiano a conseguir três maiorias absolutas consecutivas.

A UCID, a terceira mais importante força política, não conseguiu melhor que manter os dois deputados na Assembleia Nacional que já vinham do mandato anterior, enquanto o PTS e o PSD não fizeram mossa a ninguém.

Com a crise financeira às portas, o primeiro-ministro reconduzido anunciou um governo que não agradou nem a muitos militantes do seu partido nem a vários sectores da sociedade, por ser grande, com pastas mal distribuídas e sem as “tais competências” previamente anunciadas por José Maria Neves, que enfrentou até a última hora imensas dificuldades na formação do elenco.

Mas havia mais uma importante eleição, a presidencial, e que marcaria o adeus à vida política activa de Pedro Pires, companheiro de Amílcar Cabral na luta pela Independência do país, primeiro-ministro durante os 15 anos de partido único e Presidente da República nos últimos 10 anos.

Esta eleição, cuja primeira volta aconteceu a 7 de Agosto, foi marcada por uma forte divisão no partido do poder, o PAICV, em virtude de terem surgido dois candidatos na mesma área política: Manuel Incêncio Sousa, candidato oficial do partido, e Aristides Lima, candidato apoiado por uma grande franja de militantes do PAICV não alinhados com a cúpula do partido.

Do outro lado, Jorge Carlos Fonseca, apoiado pelo MpD, soube aproveitar da melhor forma a divisão entre os tambarinas e, na segunda volta, a 21 de Agosto, ganhou a eleição, dando início à primeira coabitação política na história do país: PR, apoiado pelo MpD, na oposição, e primeiro-ministro, do PAICV.

Em Setembro, com a posse do novo PR e a abertura do ano parlamentar em Outubro o país deixou para trás 10 meses de disputa política que provocou marcas visíveis na crispação política cada vez maior e na economia do país, que sentiu e sente fortemente os abalos da situação internacional, particularmente da Europa, principal parceiro comercial de Cabo Verde.

A crise financeira também fez das suas no sistema governativo através de uma pública confrontação entre a super-poderosa Ministra das Finanças e o Governador do Banco de Cabo Verde.

O governador do banco central Carlos Burgo considerou o governo despesista e advertiu para o orçamento “também despesista” para 2012, ao que a ministra Cristina Duarte, sem papas na língua, retorquiu: “que ele não venha ensinar o padre a rezar a missa”.

O certo é que a economia do país, que cresceu 5,6 por cento em 2010, depois de uma média de crescimento de 7 por cento nos anos anteriores, sentiu este ano os efeitos da crise, com resultados evidentes na estagnação dos investimentos imobiliários, redução do fluxo turístico no primeiro semestre do ano, redução real de investimentos públicos e retracção nos investimentos privados, tanto de nacionais como, principalmente, de estrangeiros.

Em consequência, os prometidos 13º. mês e o salário mínimo foram adiados sine die, dando lugar a muitas manifestações públicas de descontentamento por parte dos sindicatos, que, com o anúncio de congelamento dos aumentos salariais para 2012, recusaram assinar o Acordo de Concertação Social com o governo.

Ao mesmo tempo, o país enfrenta, particularmente a capital, uma grave crise de energia e água para descontentamento da população e, particularmente, dos operadores económicos que se queixam de milhoes de escudos em prejuízos.

Para complicar ainda mais a situação, trabalhadores de alguns sectores fizeram greves, como os das alfândegas que não trabalharam nos dias 22 e 23 de Dezembro, provocando prejuizos calculados em cerca de 10 milhões de euros para os cofres do Estado.

Entretanto, apesar da situação real não ser a melhor, o Governo tem-se congratulado com boas notícias, nomeadamente a atribuição do segundo compacto da ajuda americana, o Millenium Challenge Account, que vai investir 62 milhões de dólares em energia, água saneamento, transportes e infra-estrauturas, e a promessa da União Europeia de que não haverá redução na ajuda ao arquipélago.

Ao mesmo tempo, Cabo Verde continua sendo considerado “um caso de sucesso em África”, por várias organizações, tanto em matéria de democracia como de desenvolvimento económico.

Mais recentemente, no Democracy Índex, relatório elaborado pelo Economy Intelligence Unit, um instituto ligado à revista "The Economist", Cabo Verde aparece no 26º lugar, à frente de Portugal(27º) e do Brasil (45º), em matéria de democracia.

Nos últimos cinco anos, Cabo Verde passou da 33ª. posição em 2008 para a 26ª. em 2011, com a principal mudança a ocorrer no indicador “cultura e maturidade política”.

Antes, o antigo Presidente da República Pedro Pires fora galardoado com o prémio Mo Ibrahim, atribuído pela fundação de mesmo nome e que distingue com cinco milhões de dólares um antigo Chefe de Estado ou de Governo que se tenha primado pela defesa e promoção da democracia.

O ano de 2011 foi também de perdas de duas figuras maiores do Cabo Verde moderno.

A 22 de Setembro faleceu em Portugal Aristides Pereira, primeiro Presidente da República, fundador do Partido Africano para a Independência de Cabo Verde e Guiné-Bissau e um dos mais prestigiados líderes africanos.

Pereira recebeu as honras de ter sido aquele que liderou Cabo Verde, em 1975, quando as ilhas eram consideradas inviáveis como país.

Em Dezembro, mais precisamente no dia 17, o país e o mundo despediram-se de Cesária Évora, a conhecida Cize, que levou o nome de Cabo Verde aos quatro cantos do planeta com a sua música e simpatia. O luto abateu-se literalmente sobre a Nação crioula.

Antes, a 3 de Fevereiro, falecia também Nácia Gomi, a rainha do finason, um dos mais tradicionais géneros musicais de Cabo Verde, particularmente da ilha de Santiago.

A outro nível, Cabo Verde foi referenciado num relatório das Nações Unidas como um dos país de trânsito da droga proveniente da América do Sul com destino a Europa.

Nos últimos tempos, a Polícia Juidiciária e outras forças nacionais fecharam o cerco a traficantes, colocando muitos na cadeia e recuperando avultados bens adquiridos com o dinheiro da droga.

Entretanto, 8 de Outubro fica na história como o dia da maior operação de sempre contra o tráfico de droga: a PJ apreendeu uma tonelada e meia de cocaína pura (100 milhões de dólares no mercado), cinco carros de topo de gama, armas e muito dinheiro, além de deter três dos cabecilhas do grupo.

Na altura, a PJ disse que a operação baptizada de “Lancha Voadora” estava apenas no começo e ameaçou com novas prisões.

A 20 de Dezembro, a PJ deteve o presidente da Bolsa de Valores de Cabo Verde Veríssimo Pinto e mais seis pessoas, no âmbito da referida operação.

Pinto, acusado de levagem de capitais na qualidade de sócio-gerente da empresa Auto Center SA, e mais quatro considerados os operacionais aguardam o julgamento na prisão, enquanto os restantes dois não podem sair do país e devem apresentar-se regularmente às autoridades.

A operação foi considerada um forte golpe no tráfico de droga que poderá procurar outros destinos, considerando que Cabo Verde aposta muito nesta área, para a qual conta com fortes apoios dos Estados Unidos, Inglaterra e União Europeia.

2012 apresenta-se com um ano charneira para Cabo Verde: ou a crise se aprofunda ou, finalmente, o país descola para uma economia produtiva, capaz de criar riqueza.

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei de ler a tua retrospectiva abordando facetas diversas da nossa terra (politica, social, economica, e cultural). Parabens pelo excelente trabalho. Curiosidade: Nao fizeste mencao da faceta religiosa. Assumo que tudo vai bem nesta area. Votos de total recuperacao. Sds. BCM.

Álvaro Ludgero Andrade disse...

Obrigado prezado BCM pela visita e comentário. Como o texto foi feito para a agência de notícias PNN, esses foram os aspectos mais importantes. Bom reparo!!! Mantenhas.