quarta-feira, dezembro 06, 2006

Tui, de boaventura

Voltei a chorar e outra vez diante do meu computador. Recebi a notícia da promoção à Glória, de mais um amigo. Muito mais do que um amigo: o pai dos meus irmãos de segunda geração. Era tão familiar que, embora fosse mais velho do que a minha mãe, nunca o pude chamar de “senhor”. Para mim era Tui e tchau. Nunca o sr. Boaventura Manuel Monteiro.

Durante mais de 30 anos de convivência, entrecortados pelas suas andanças entre S.Vicente, Praia e Dakar, abraçar e falar com Tui era uma festa. Homem de trato fino, de palavras medidas, mas saídas do coração, ele recebia-me sempre com um “bu sta dretu nha fidju?”. Sempre soube que era mais um filho dele.

As tardes da minha infância e adolescência foram, em grande parte, passadas na casa de Tui ou em frente, mais exactamente na rua Suburbana, jogando futebol ou aprendendo a conhecer os apitos dos barcos na Baia com os filhos João Mateus e Abrãao – além das pirraças e muitas travessuras na Igreja, no Kevin, na praça e nas ruas de morada -, contando as namoradas do Tchuney ou, ainda, entregando o meu cabelo para ser cortado pela Nicha, que, fazendo-se de irmã mais velha, lá ia nos aconselhando a respeitar as namoradinhas de ocasião. A irmandade era tanta que nem o Dany, mais velho, “entregou-me” aos meus pais quando um dia encontrou-me na Matiota jogando bola e tomando banho, em vez de estar na escola.

A casa de Tui era minha. O chá da esposa Ticha - também nunca pude chamá-la de D. Beatriz Monteiro - era de consumo obrigatório e não havia melhor na cidade, nem o arroz com pato que era almoço oficial na jornada de “racordai” do Dia de Ano Novo. Muitas, mas muitas foram as horas lá passadas, brincando e ouvindo conselhos da Ticha, que nem aos meus 41 anos (há precisamente dois anos) se escusou a levar-me para um canto da casa do João, em Boston, para me aconselhar sobre a segunda parte do jogo da minha vida.

Tui partiu mas deixou-nos a sua boaventura. Meu consolo é que pôde dizer adeus aos filhos que o cercavam nas últimas horas da vida nesta terra. É também meu consolo saber que o seu último percalço físico, uma queda, aconteceu a caminho da sua Igreja do Nazareno do Mindelo, onde ele se sentia em casa e feliz. Hoje, Tui está em paz e, embora desconheça os meandros da cidade celestial, espero que um dia nos encontremos e me diga “agora sim, nhá fidju, bu stá dretu!”

À Ticha e aos meus irmãos do peito, Dany, Tchuney, João, Nicha e Abrãao, aquele abraço. Resta-nos viver os nossos dias aqui e reter o que Tui nos deixou.

“Un peitada” à nossa maneira!

1 comentário:

Dany Monteiro disse...

ei boy, mais uma vez fizeste-me chorar. obrigado por teres compartilhado o meu par comigo, como eu compartilhei o teu contigo. há homens e há gigantes. Nununo e Tuy são gigantes. sempre. obrigado