ÉPOCA – Está feliz com a vitória de Barack Obama?
Roberto Mangabeira Unger – Muito feliz com os acontecimentos. É muito bom para os Estados Unidos e para o mundo. Muito bom para nós também.
ÉPOCA – Por quê?
Mangabeira – Está aberta a perspectiva de a potência ainda predominante no mundo abrir-se internamente e externamente. O país está em busca do ideal democrático: soerguer os homens e as mulheres comuns. Desde Roosevelt [Franklin Delano, presidente democrata morto em 1945, em meio ao quarto mandato], os democratas não formularam uma alternativa que contemplasse as aspirações da maioria trabalhadora. Agora há uma movimentação para acabar com isso. Essa movimentação não se restringe à luta pelo poder presidencial ou pelo Congresso. É uma comoção na sociedade americana. Esse é o aspecto mais importante.
ÉPOCA – Qual a sua impressão sobre Obama? Por que ele venceu?Mangabeira – Tenho grande admiração por ele. É uma pessoa muito inteligente. Mas o que o distingue não é o poder analítico. Há milhões de pessoas assim. Ele demonstrou o que eu considero essencial, que é uma capacidade de sacrificar-se. Quando ele se formou ele desprezou o caminho fácil das grandes firmas de advocacia e foi trabalhar para os pobres em Chicago enquanto ensinava direito constitucional. E ele tem os três atributos mais importantes de um homem de Estado: coragem, tenacidade e esperança. E dos três o menos comum e mais importante é a esperança. A esperança é muito rara no nosso mundo, e ele tem.
ÉPOCA – É prudente Obama se cercar de pessoas da equipe do ex-presidente Bill Clinton?
ÉPOCA – É prudente Obama se cercar de pessoas da equipe do ex-presidente Bill Clinton?
Mangabeira – O Obama se cercou de todo o establishment liberal americano, de Larry Summers [ex-secretário de Tesouro no governo democrata de Bill Clinton] para baixo. Eu acho que ele vê mais longe que esse pessoal. Como você sabe, não é fácil. Todos estamos presos pelo horizonte intelectual restritivo desse mundo contemporâneo. Nós sonhamos mais que as idéias estabelecidas contemplam.
Os Estados Unidos não são tão diferentes do Brasil. Eles são uma sociedade jovem, peregrina e inconformada de pessoas que estão em busca não só de uma outra vida, mas de um outro mundo.
ÉPOCA – A eleição do presidente Lula no Brasil também foi uma experiência desse tipo? Com uma carga simbólica maior que as possibilidades do momento?Mangabeira – Sim. O Brasil há muito tempo vem buscando uma saída e uma alternativa que nosso sistema político sempre sonega ao povo brasileiro. Que nós recebamos esse evento nos Estados Unidos como uma batida na porta. Que acordemos. É isso que eu quero.
Os Estados Unidos não são tão diferentes do Brasil. Eles são uma sociedade jovem, peregrina e inconformada de pessoas que estão em busca não só de uma outra vida, mas de um outro mundo.
ÉPOCA – A eleição do presidente Lula no Brasil também foi uma experiência desse tipo? Com uma carga simbólica maior que as possibilidades do momento?Mangabeira – Sim. O Brasil há muito tempo vem buscando uma saída e uma alternativa que nosso sistema político sempre sonega ao povo brasileiro. Que nós recebamos esse evento nos Estados Unidos como uma batida na porta. Que acordemos. É isso que eu quero.
ÉPOCA – A energia em torno da campanha de Obama é importante? Mangabeira – É um dos sentidos em que os Estados Unidos são tão parecidos com o Brasil. É uma sociedade jovem, peregrina e inconformada de pessoas que estão em busca não só de uma outra vida, mas de um outro mundo. Impressionante que nessa experiência eleitoral quase 10 milhões de voluntários, sobretudo jovens, trabalharam com grande eficácia, com capacidade de cooperação de baixo para cima.
ÉPOCA - É uma mudança no comportamento eleitoral?
ÉPOCA - É uma mudança no comportamento eleitoral?
Mangabeira - É uma demonstração comovente de idealismo cívico. Essa reconsideração do projeto interno, por sua vez, ajudará na reconsideração do projeto externo, no debate sobre o lugar dos Estados Unidos no mundo. Há muito tempo a tendência dos Estados Unidos é oscilar entre o isolamento e a imposição. E sempre o perigo para os Estados Unidos na sua visão do mundo foi julgar que o resto do mundo ou vegeta na pobreza e no despotismo ou se assemelha aos Estados Unidos. Só há essas duas opções. Os americanos agora lutam para escapar dessa idéia e admitir que as sociedades democráticas podem e devem assumir formas alternativas e experimentais.
ÉPOCA – Quais são os desafios do governo Obama?
ÉPOCA – Quais são os desafios do governo Obama?
Mangabeira – Primeiro a regulação dos mercados financeiros. Segundo, adotar políticas fiscal e monetária expansionistas, ese ressurgimento do keynesianismo vulgar. Quer dizer, as políticas fiscais e monetárias expansionistas. Terceiro é resolver os problemas de saúde pública. O quarto é uma posição mais politicamente correta em relação à mudança de clima e energias renováveis. O quinto é retirar as tropas do Iraque e colocar no Afeganistão. E o sexto é adotar uma posição mais respeitosa para com o multilateralismo e preferir o “soft power” ao “hard power”. Essa é a plataforma do establishment liberal americano. E é isso que essa maioria que elegeu Obama quer.
ÉPOCA – Boas idéias bastam para o Obama manter o nível de energia em torno do governo dele?
ÉPOCA – Boas idéias bastam para o Obama manter o nível de energia em torno do governo dele?
Mangabeira – Boas idéias nunca são suficientes. Mas são indispensáveis dentro do princípio de que nenhum vento ajuda a quem não sabe velejar. É preciso ter uma visão da trajetória. Agora, os americanos têm um dinamismo imenso, uma capacidade de reação. Essa mesma anarquia criadora que nos caracteriza no Brasil combinada com uma capacidade de despojamento idealista. O maior obstáculo não são os Estados Unidos. É o Brasil. Historicamente nos falta audácia e imaginação. Estamos acostumados a trilhar um caminho autorizado pelos outros.
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