segunda-feira, julho 27, 2009

A quantas andamos

A afirmação da presidente da Câmara Municipal de S.Vicente Isaura Gomes ontem em Roterdão de que "isso (terceiro mandato) é para governos africanos em que os líderes ficam no poder até a morte”, causou-me profunda tristeza. Reparem: não falei em estranheza, porque sei que esse sentimento claramente racista de que não somos africanos está cada vez mais presente na mente de muitos, entre eles, fazedores de opinião. Fiquei triste por, até agora, considerar Isaura Gomes autêntica e profundamente enraizada na nossa verdadeira realidade: país africano, sem sombra de dúvidas. Ela poderá dizer que foi um lapsus linguae, mas para mim ela foi traída pelo seu subconsciente, bombardeado nos últimos tempos pela anti-africanidade.


Na verdade, ainda estou baralhado com um afirmação dessas que, vinda de quem veio, deve originar muita preocupação nos cabo-verdianos. É que não consigo descortinar - e tenho pensado muito sobre isso - onde nasceu essa teoria, cada vez mais formada, de que Cabo Verde não é África. Já me falaram da ausência de tribos (vidé os países do Norte do continente); me apontaram a nossa cor (aí ri muito e me lembrei dos loiros afrikanders e, outra vez, dos egípcios, líbios, argelinos, etc.); lembraram-me da nossa educação ocidental (e me deparei com condutores de taxi urinando no meio da rua, com o mercado apinhado de pessoas comendo com colher ou mão, enquanto alguém entrava gabinete adentro sem cumprimentar nem pedir licença...); me falaram de causas outras e foi então que pensei em pedir ao Mia Couto que viesse a Cabo Verde para alguns esclarecimentos.

Estes e outros argumentos, por sinal bastante primários, são esgrimidos a favor de uma causa sem causa, que não seja o racismo apimentado de uma medíocre aculturação. A esses euronãoseioquê, riposto, geralmente em jeito de brincadeira, perguntando o que têm em comum um canadense e um índio do amazonas ou um argentino e um americano de Oklahoma. Por acaso não são americanos? O Bush e o Obama têm alguma semelhança para além da língua? Não são norte-americanos?
Com este ritmo, qualquer dia não sabemos o que somos, nem onde nos movemos. E um povo sem referência é pior do que uma tribo nómada. Espero que, em tempo, consigamos abrir os olhos e reconhecer que a nossa cabo-verdianidade em nada choca com ser africano. Que definitivamente deixemos de olhar para a África como um lugar menor. Antes que outros venham a reconhecer o valor da África - que não falta muito - e aí, mais uma vez, seremos os últimos a acordar.

Em tempo: quanto à nossa querida Zau, acredito que quando deixar tchom d´Holanda e pisar a morada reflectirá melhor, e irá lembrar que há um português que está no poder há 30 anos e que aqui no nosso Cabo Verde há dois presidentes de câmara que para aí caminham: José Pinto Almeida (MpD) e Eugénio Veiga (PAICV).

3 comentários:

Edy disse...

e o Partido Trabalhista que já vai tb no seu 3º mandato...enfim!

Edy disse...

PT do Tony Blair e Gordon Brown...

Anónimo disse...

Concordo com a essência do que ela disse. O resto é irrelevante.

Em minha opinião, fere a democracia e não é saudável essa "perpetuação" de um indivíduo na gestão daquilo que é público, pois o terreno torna-se fértil para vícios perniciosos, mais dia menos dia.