O texto que a seguir publico, com muita honra e prazer, foi-me enviado pelo meu primo José Sérgio Monteiro Fortes, pastor evangélico nas ilhas de Cabo Verde no início da década de 1970 e radicado há cerca de 37 anos no Brasil, onde é advogado e economista. Tanto nos encontros mantidos no Brasil como nos virtuais, através das TIC, temos debatido muito o evangelho pleno e a chamada para o ministério, particularmente sobre "o que é o ministério". Este domingo, ao abrir o meu email encontrei este texto que publico, porque autorizado pelo seu autor. Para reflexão.
Por muito tempo torturou-me o pensamento resultante do
ensino errôneo de que, não servir a igreja em tempo integral era estar em desobediência a DEUS e voltar as costas ao chamado.
Anos de muita
angústia solitária, peito apertado, sentimento de culpa. Acalentei por anos o
desejo de retornar e não foram poucas tentativas reais nesse sentido. Acreditava
que somente cumpriria meu ministério
se estivesse a serviço de uma igreja local, com dedicação exclusiva.
Ao deixar o
país rumo ao sonho de melhor formação acadêmica, apoiado por um pai extremoso que
podia e queria fazer esse investimento, como um dos primeiros a fazê-lo, o
preço a pagar foi literalmente oneroso.
Numa lição
na Escola Dominical, durante Assembleia Distrital, classe única, a saudosa
Annie Ferro foi implacável: "Pastor,
com quem vais deixar o teu rebanho?". Embora estivesse intimamente em
paz e com sentimento de que havia mais coisas no processo que eu não compreendia
cabalmente, esse ataque frontal, desnecessário, ainda que sincero, me incomodou
muito.
Foram anos elaborando
e processando o entendimento de tudo isso, tiveram participação fundamental homens
de DEUS como Ted DeMoss, Tim Philpot, Bob Tamasy, Levi Araújo, Osmar Ludovico e
Sergio Franco, dentre outros. Ajudaram-me na desconstrução sistemática do
conceito perverso que trazia fardo inútil e asfixiante.
As portas fechadas
do ministério eclesiástico, em várias investidas em Cabo Verde, na Sede internacional
e no Brasil, forçaram a um mergulho mais profundo para o entendimento do plano
de DEUS — afinal, contrariamente a outro ensino esdrúxulo, "Ele não tinha plano B". Até finalmente perceber que
campo missionário — a "seara
realmente grande" de que convocou o Mestre — tinha limites muito mais vastos,
fora, muito fora dos arraiais da igreja local, em campos sem fim de um mundo
sem fronteiras chamado mercado.
Foi com
essa percepção que respondi respeitosamente a um líder da igreja que tinha uma
curiosidade: "Não sentes saudades do
púlpito?" Chocou-se com a resposta negativa e, mais ainda, quando lhe
disse exultante e feliz que "pregava
todos os dias, algumas vezes até do púlpito." Em mesa de bar e boteco,
em restaurante e sala de reunião, em banco de aeroporto ou de táxi, em salão de
festa ou parado na calçada, o púlpito
foi-se metamorfoseando, irrelevante diante da relevância da Mensagem.
Mais tarde
seria apresentado a uma galeria de autores de espiritualidade de ponta como
Philip Yancey, Brenan Mannig, Jean-Yves Leloup, Ariovaldo Ramos, Henri Nouwen,
que viriam a tornar-se decisivos no aprofundamento da compreensão do Evangelho
da Graça, sentido de chamado e ministério e da integralidade da missão do
Evangelho. Nouwen viria a se tornar um dos favoritos e, sua história de vida e
ministério, de Harvard como professor ao interior do Peru como missionário, com
suas complexidades e perplexidades, traria vivência e embasamento teórico para
a questão. Sempre serei grato ao amigo missionário Steven Heap, por ter sido
quem, no retorno de uma de suas viagens de "férias", me presenteou
com o primeiro livro de Nouwen, "Here and Now".
Com sede de
conhecimento adquiri e mergulhei em toda a obra de Henri Nouwen, padre católico
holandês, que partiu cedo, em 1968, aos 62 anos.
Que
privilégio! Que escola! Na simplicidade da definição de ministério como "serviço para DEUS", ele aprofunda
o tema e lança um facho de luz esclarecedor que viraria qual clareira
definitiva, reforçado com a decisão de trocar o serviço à igreja, pelo serviço
a uma pequena comunidade de deficientes, onde, segundo ele, "finalmente me encontrei!"
Todos
quantos servem a DEUS, não importando posição ou forma estão literalmente exercendo
ministério. O conceito, reservado outrora com exclusividade para atividade
pastoral, como monopólio sagrado, foi ganhando outra consistência e outra dimensão,
consentânea com a soberana declaração do texto bíblico sobre o "sacerdócio do crente", de todo o crente.
Esse entendimento trouxe também de carona — boleia, dirão os
amigos da boa terrinha — a compreensão que Reino de DEUS é maior que igreja
local e a ela se sobrepõe, sem, contudo, excluí-la, como também Cristo está
acima e além do cristianismo, embora este a pertença. Ficou definitivamente
claro que no Reino de DEUS tudo e todas as coisas são igualmente separadas
(santificadas) e unificadas por Cristo.
Vida
secular e vida religiosa, sagrado e secular, trabalho e ministério, deixaram de
ser categorias distintas e separadas, muitas vezes até excludentes, para se
tornarem integradas e partes do todo. Não são — nem nunca foram —atos distintos
e separados. Todos os servos de Cristo têm um chamado sublime, igualmente
prazeroso para DEUS.
Entender o
chamado como serviço exclusivo para e na
igreja em tempo integral é desconsiderar o conteúdo e a história bíblica e
da própria igreja, além de ficar claro o intuito corporativo. No Reino de DEUS,
negócios ou qualquer outro aspecto da vida, estão sob comando total de Jesus e,
por consequência, um chamado em si
mesmo.
Na
perspectiva de Colossenses 1.16-20, Jesus Cristo não é apenas o Senhor da
Igreja, como estendeu também Sua reivindicação de autoridade e reinado sobre tudo
e todos: Família, Empresa, Profissão, Governo. Na Terra ou qualquer outro
planeta do Universo sem fim! Absolutamente tudo! "Nele todas as coisas têm consistência" — arremata o texto Sagrado.
O chamado
não é um ato de DEUS exclusivo para alguns, chamando uns e deixando outros de
fora. Embora deva ser ressaltada a existência de um chamado geral e de outro específico,
ele o é em si mesmo para todos sem exceção.
Para DEUS
não há distinção entre clérigo e laico, pastor e membro, entre os que servem em
tempo integral e exclusivo à igreja e os que servem como cristãos de tempo
integral fora dela —estes certamente os mais relevantes, membros não da igreja
local, senão da ekklesia — em seus
negócios e profissão. Essas distinções podem fazer parte do sistema, da instituição e suas
necessidades de governo e operacionalidade. Só.
Onde havia
culpa e angústia prevaleceu graça e paz. DEUS me tem abençoado com a
oportunidade de desenvolver meu chamado em dois campos distintos: o ministério e negócio. A evolução de um para o outro foi por Ele tecido habilidosa
e cuidadosamente, com a mesma paciência didática com que conduziu Elias à
percepção da dimensão de sua presença em Israel no reinado idólatra da dupla
Acabe e Jezabel.
Se a
querida Annie, cuja lembrança guardo com amizade, pudesse ver a proporção do rebanho flutuante que tenho pastoreado,
de todas as camadas, status, lugares, países, e pudesse ter o privilégio de compreender
o sentido de "chamado e
ministério", certamente alegrar-se-ia profundamente.
Quem me
dera esse entendimento pudesse alcançar aqueles que, ao longo de sofridos anos foram — talvez ainda estejam — atormentados
pela culpa de "abandono" ministerial, de ter "deixado" o rebanho!
Quem me
dera que esta descoberta libertadora fosse percebida por quantos foram dominados
e manipulados pela doutrina manipuladora e míope, que é só a serviço da igreja
que o chamado se cumpre!
Quantos foram
por DEUS levados do ministério pastoral para realizar outros ministérios, em
outras paradas, outros ambientes, outros círculos, onde foram e são "sal e
luz". Onde a influência da igreja não chega, mas a presença do Reino de
DEUS se faz pertinente. Talvez apenas compartilhando a Notícia para apenas um "Nicodemos",
ou uma "Mulher Samaritana" somente, mas que grande diferença isso tem
feito para sua geração e o mundo.
Em algum
"Livro de Membros" o nome deles foi riscado e colocaram à frente, em letras
gordas: DESVIADO. Mas no livro que importa, o "da Vida", foi já registrada
em letras desenhadas a primeira parte da grande condecoração: "Bem está, servo bom e fiel!
Em 2004 Dr.
Billy Graham disse em um congresso do CBMC - Connecting Business and the
Marketplace to Christ, em North Carolina: "O
próximo mover de DEUS na nossa geração se dará através de homens e mulheres no
mercado de trabalho".
Enquanto
igrejas e seminários de visão miúda e desfocada continuam formando "ministros",
"missionários", "pastores", questionando ainda a
incompatibilidade entre "sagrado e profano", incapazes de perceber que
estão chamando de "imundo" ao que DEUS "purificou", o
Espírito Santo de DEUS, em uma multiplicação exponencial, pulveriza Seus
chamados em ministérios de toda a sorte, porque Ele tem pressa em vir. "Ora, vem, Senhor Jesus!"
Por J. S. Monteiro Fortes
2 comentários:
Como entendo o Amigo e antigo Colega no Ministério José Sérgio Monteiro Fortes! Agradeço a partilha e o amparo das suas palavras. Um rijo e forte abraço e muita graça de Deus!
Obrigado bloguista exemplar, Brito-Semedo, pela visita, comentário e força. E o ministério???? continua...
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