domingo, novembro 18, 2012

Chamado & Ministério



O texto que a seguir publico, com muita honra e prazer, foi-me enviado pelo meu primo José Sérgio Monteiro Fortes, pastor evangélico nas ilhas de Cabo Verde no início da década de 1970 e radicado há cerca de 37 anos no Brasil, onde é advogado e economista. Tanto nos encontros mantidos no Brasil como nos virtuais, através das TIC, temos debatido muito o evangelho pleno e a chamada para o ministério, particularmente sobre "o que é o ministério". Este domingo, ao abrir o meu email encontrei este texto que publico, porque autorizado pelo seu autor. Para reflexão.

Por muito tempo torturou-me o pensamento resultante do ensino errôneo de que, não servir a igreja em tempo integral era estar em desobediência a DEUS e voltar as costas ao chamado.

            Anos de muita angústia solitária, peito apertado, sentimento de culpa. Acalentei por anos o desejo de retornar e não foram poucas tentativas reais nesse sentido. Acreditava que somente cumpriria meu ministério se estivesse a serviço de uma igreja local, com dedicação exclusiva.

            Ao deixar o país rumo ao sonho de melhor formação acadêmica, apoiado por um pai extremoso que podia e queria fazer esse investimento, como um dos primeiros a fazê-lo, o preço a pagar foi literalmente oneroso.

            Numa lição na Escola Dominical, durante Assembleia Distrital, classe única, a saudosa Annie Ferro foi implacável: "Pastor, com quem vais deixar o teu rebanho?". Embora estivesse intimamente em paz e com sentimento de que havia mais coisas no processo que eu não compreendia cabalmente, esse ataque frontal, desnecessário, ainda que sincero, me incomodou muito.

            Foram anos elaborando e processando o entendimento de tudo isso, tiveram participação fundamental homens de DEUS como Ted DeMoss, Tim Philpot, Bob Tamasy, Levi Araújo, Osmar Ludovico e Sergio Franco, dentre outros. Ajudaram-me na desconstrução sistemática do conceito perverso que trazia fardo inútil e asfixiante.

            As portas fechadas do ministério eclesiástico, em várias investidas em Cabo Verde, na Sede internacional e no Brasil, forçaram a um mergulho mais profundo para o entendimento do plano de DEUS — afinal, contrariamente a outro ensino esdrúxulo, "Ele não tinha plano B". Até finalmente perceber que campo missionário — a "seara realmente grande" de que convocou o Mestre — tinha limites muito mais vastos, fora, muito fora dos arraiais da igreja local, em campos sem fim de um mundo sem fronteiras chamado mercado.

            Foi com essa percepção que respondi respeitosamente a um líder da igreja que tinha uma curiosidade: "Não sentes saudades do púlpito?" Chocou-se com a resposta negativa e, mais ainda, quando lhe disse exultante e feliz que "pregava todos os dias, algumas vezes até do púlpito." Em mesa de bar e boteco, em restaurante e sala de reunião, em banco de aeroporto ou de táxi, em salão de festa ou parado na calçada, o púlpito foi-se metamorfoseando, irrelevante diante da relevância da Mensagem.

            Mais tarde seria apresentado a uma galeria de autores de espiritualidade de ponta como Philip Yancey, Brenan Mannig, Jean-Yves Leloup, Ariovaldo Ramos, Henri Nouwen, que viriam a tornar-se decisivos no aprofundamento da compreensão do Evangelho da Graça, sentido de chamado e ministério e da integralidade da missão do Evangelho. Nouwen viria a se tornar um dos favoritos e, sua história de vida e ministério, de Harvard como professor ao interior do Peru como missionário, com suas complexidades e perplexidades, traria vivência e embasamento teórico para a questão. Sempre serei grato ao amigo missionário Steven Heap, por ter sido quem, no retorno de uma de suas viagens de "férias", me presenteou com o primeiro livro de Nouwen, "Here and Now".

            Com sede de conhecimento adquiri e mergulhei em toda a obra de Henri Nouwen, padre católico holandês, que partiu cedo, em 1968, aos 62 anos.

            Que privilégio! Que escola! Na simplicidade da definição de ministério como "serviço para DEUS", ele aprofunda o tema e lança um facho de luz esclarecedor que viraria qual clareira definitiva, reforçado com a decisão de trocar o serviço à igreja, pelo serviço a uma pequena comunidade de deficientes, onde, segundo ele, "finalmente me encontrei!"

            Todos quantos servem a DEUS, não importando posição ou forma estão literalmente exercendo ministério. O conceito, reservado outrora com exclusividade para atividade pastoral, como monopólio sagrado, foi ganhando outra consistência e outra dimensão, consentânea com a soberana declaração do texto bíblico sobre o "sacerdócio do crente", de todo o crente.

            Esse entendimento trouxe também de carona — boleia, dirão os amigos da boa terrinha — a compreensão que Reino de DEUS é maior que igreja local e a ela se sobrepõe, sem, contudo, excluí-la, como também Cristo está acima e além do cristianismo, embora este a pertença. Ficou definitivamente claro que no Reino de DEUS tudo e todas as coisas são igualmente separadas (santificadas) e unificadas por Cristo.

            Vida secular e vida religiosa, sagrado e secular, trabalho e ministério, deixaram de ser categorias distintas e separadas, muitas vezes até excludentes, para se tornarem integradas e partes do todo. Não são — nem nunca foram —atos distintos e separados. Todos os servos de Cristo têm um chamado sublime, igualmente prazeroso para DEUS.

            Entender o chamado como serviço exclusivo para e na igreja em tempo integral é desconsiderar o conteúdo e a história bíblica e da própria igreja, além de ficar claro o intuito corporativo. No Reino de DEUS, negócios ou qualquer outro aspecto da vida, estão sob comando total de Jesus e, por consequência, um chamado em si mesmo.

            Na perspectiva de Colossenses 1.16-20, Jesus Cristo não é apenas o Senhor da Igreja, como estendeu também Sua reivindicação de autoridade e reinado sobre tudo e todos: Família, Empresa, Profissão, Governo. Na Terra ou qualquer outro planeta do Universo sem fim! Absolutamente tudo! "Nele todas as coisas têm consistência" arremata o texto Sagrado.

            O chamado não é um ato de DEUS exclusivo para alguns, chamando uns e deixando outros de fora. Embora deva ser ressaltada a existência de um chamado geral e de outro específico, ele o é em si mesmo para todos sem exceção.

            Para DEUS não há distinção entre clérigo e laico, pastor e membro, entre os que servem em tempo integral e exclusivo à igreja e os que servem como cristãos de tempo integral fora dela —estes certamente os mais relevantes, membros não da igreja local, senão da ekklesia — em seus negócios e profissão. Essas distinções podem fazer parte do sistema, da instituição e suas necessidades de governo e operacionalidade. Só.

            Onde havia culpa e angústia prevaleceu graça e paz. DEUS me tem abençoado com a oportunidade de desenvolver meu chamado em dois campos distintos: o ministério e negócio. A evolução de um para o outro foi por Ele tecido habilidosa e cuidadosamente, com a mesma paciência didática com que conduziu Elias à percepção da dimensão de sua presença em Israel no reinado idólatra da dupla Acabe e Jezabel.  

            Se a querida Annie, cuja lembrança guardo com amizade, pudesse ver a proporção do rebanho flutuante que tenho pastoreado, de todas as camadas, status, lugares, países, e pudesse ter o privilégio de compreender o sentido de  "chamado e ministério", certamente alegrar-se-ia profundamente.

            Quem me dera esse entendimento pudesse alcançar aqueles que, ao longo de  sofridos anos foram — talvez ainda estejam — atormentados pela culpa de "abandono" ministerial, de ter "deixado" o rebanho!

            Quem me dera que esta descoberta libertadora fosse percebida por quantos foram dominados e manipulados pela doutrina manipuladora e míope, que é só a serviço da igreja que o chamado se cumpre!
           
            Quantos foram por DEUS levados do ministério pastoral para realizar outros ministérios, em outras paradas, outros ambientes, outros círculos, onde foram e são "sal e luz". Onde a influência da igreja não chega, mas a presença do Reino de DEUS se faz pertinente. Talvez apenas compartilhando a Notícia para apenas um "Nicodemos", ou uma "Mulher Samaritana" somente, mas que grande diferença isso tem feito para sua geração e o mundo.

            Em algum "Livro de Membros" o nome deles foi riscado e colocaram à frente, em letras gordas: DESVIADO. Mas no livro que importa, o "da Vida", foi já registrada em letras desenhadas a primeira parte da grande condecoração: "Bem está, servo bom e fiel!

            Em 2004 Dr. Billy Graham disse em um congresso do CBMC - Connecting Business and the Marketplace to Christ, em North Carolina: "O próximo mover de DEUS na nossa geração se dará através de homens e mulheres no mercado de trabalho".

            Enquanto igrejas e seminários de visão miúda e desfocada continuam formando "ministros", "missionários", "pastores", questionando ainda a incompatibilidade entre "sagrado e profano", incapazes de perceber que estão chamando de "imundo" ao que DEUS "purificou", o Espírito Santo de DEUS, em uma multiplicação exponencial, pulveriza Seus chamados em ministérios de toda a sorte, porque Ele tem pressa em vir. "Ora, vem, Senhor Jesus!"

Por J. S. Monteiro Fortes
   
Curitiba, novembro 2012

2 comentários:

Brito-Semedo disse...

Como entendo o Amigo e antigo Colega no Ministério José Sérgio Monteiro Fortes! Agradeço a partilha e o amparo das suas palavras. Um rijo e forte abraço e muita graça de Deus!

Álvaro Ludgero Andrade disse...

Obrigado bloguista exemplar, Brito-Semedo, pela visita, comentário e força. E o ministério???? continua...