domingo, outubro 26, 2014

Notas eleitorais



1. O sistema eleitoral brasileiro voltou a provar ser o mais eficiente e seguro do mundo, ao revelar em nove minutos 95 por cento dos votos escrutinados de mais de 130 milhões de eleitores. Em 30 minutos, o país conhecia o vencedor das eleições. Este é um aspecto fundamental e importantíssimo em qualquer eleição, mas que, ao que parece, o Brasil, virado mais para o show off do momento, não dá muita bola. O mundo inveja esse sistema.

2. A vitória de Dilma Roussef, a mais apertada da história, explica-se pela vitória da barriga sobre a vontade de   mudança. No seu discurso de vitória - por sinal muito equilibrado, estadista e programático -, ela reconheceu que o Brasil quer e necessita de mudança. Um político, mesmo sem muito jogo de cintura como Dilma, não pode ficar indiferente ao desejo de 48 por cento do eleitorado. E ela prometeu mudanças, a começar por aquilo que, há anos, todo o Brasil clama, mas que ninguém no Congresso, a começar pelo próprio PSDB, quer meter mão: a reforma política. É lá que está o antro da corrupção do país porque em qualquer sistema, mormente federativo, o poder do presidente da República não é tão forte e decisivo como o do legislativo. Os grandes corruptos, de todos os partidos, estão em Brasília e nas redes que montam a partir da impunidade legal que existe e por eles mantida ad eternum.

Então por que 52 dos brasileiros por cento não votaram pela mudança? Tento responder: os milhões que passaram a ter comida na mesa, os que agora podem mandar os seus filhos para a escola, os que antes apenas comiam mas agora têm casa, carro, uma melhor renda e um maior poder de compra, não têm o combate à corrupção - que sempre existiu e com a qual lidam todos os dias nos postos de trabalho, nas prefeituras, nas relações sociais - ou à falta de ética em Brasília como prioridades. Eles estão longe desse debate e sequer têm informações nem estão preocupados se os bons e necessários programas sociais do PT têm sustentabilidade económica a médio e a longo prazos. Eu, pessoalmente, creio que não, que a factura será grande, mas nem Aécio Neves conseguiu tocar neste assunto ao dizer apenas que iria "aumentar e melhorar esses programas". Mas isto são "outros quinhentos" e fica para outro debate.

Por isso, digo ser a vitória da barriga sobre a vontade de mudança e é só assim que se explica, do meu ponto de vista, a vitória de Dilma que, na verdade, não teve um bom desempenho como presidente. Primeiro, por não conseguir desfazer-se da rede "lulista" montada à sua volta e que partidarizou, ainda mais, o aparelho público; segundo, porque teve de aguentar a bomba do "mensalão" e de uma série de casos de corrupção, também herança dos companheiros de Lula; e terceiro, por gerir com pouca sapiência a desaceleração económica. A isto, junta-se ainda a imagem de "gerentona" que transmitiu, quando podia muito bem ter adoptado uma postura de tecnocrata política, ao estilo Bachellet no Chile, por exemplo. Mas para isso, teria de cercar-se de assessores competentes e desenvencilhar-se da "corja" que assaltou o poder e que usou o poder da mesma forma que os seus antecessores do PSDB e da direita que eles tanto criticaram.

3. Aécio Neves foi a última opção do PSDB, depois de queimar, no passado, José Serra e Geraldo Alckmin e não foi claramente a melhor. Apesar do discurso fácil e de um legado importante - neto de Trancredo Neves e a imagem de uma boa aprovação como governador em Minas Gerais, que começa a desmoronar-se -, não apresentou uma imagem de estadista e as suas movimentações ainda lembravam o playboy do passado.

Aécio cometeu alguns erros graves como, por exemplo, apegar-se demasiado ao mandato de Fernando Henrique Cardoso que terminou dois mandatos sem conseguir fazer eleger o seu sucessor, ao contrário do que Lula fez com Dilma. Ao mesmo tempo, o mensalão da reeleição ainda está fresco na memória de todos, apesar do Plano Real. Por outro lado, não conseguiu mostrar como iria fazer crescer a economia, combater o desemprego (cuja taxa é uma das mais baixas do mundo) e manter os programas sociais num país  considerado ainda um dos mais desiguais do mundo. Fatal: perdeu a eleição no seu próprio Estado, o segundo maior colégio eleitoral do país, à semelhança do antigo candidato democrata nos EUA Al Gore, que perdeu no seu Tennesse e também a nível nacional.

4. O chavão apresentado pelos apoiantes de Aécio Neves de que o país está mais dividido é ridículo porque o Brasil sempre esteve dividido entre ricos e miseráveis. Nos EUA, há dois partidos que dividem o eleitorado claramente ao meio e não há nenhum mal por isso. O PSDB pode regozijar-se por ter aumentado o seu eleitorado e feito tremer o PT. Cabe agora saber que caminho irá trilhar: o de uma oposição que apenas critica e ameaça com o perigo ridículo da cubanização do Brasil ou de uma oposição capaz de apresentar propostas reais, articular alianças com gente não corrupta, colocar-se à margem da política velha, de que os tucanos foram responsáveis também, e preparar um projecto de país moderno, de trabalho, com mais produção nacional e uma política social que reduza, de forma sustentada, as desigualdades existentes.

5. Vergonhosa a prestação de muitos líderes ditos evangélicos, numa repetição da postura republicana nos Estados Unidos. É vergonhoso ver pessoas que, dizem conhecer a Bíblia, violarem o mais elementar princípio bíblico: a mudança vem de dentro para fora e não o contrário. Nesse caso, ao tentar mudar uma sociedade sem valores, onde o crime compensa, a corrupção é prática corrente e a ética não existe através de políticos que não vivem os valores bíblicos, esses líderes prestaram um mau serviço à comunidade cristã que supostamente servem e ao Brasil. Tudo não passou de jogos políticos em troca de benefícios e interesses bem conhecidos.

Do meu ponto de vista, a comunidade de fé deve erguer os padrões bíblicos em qualquer momento, e da mesma forma que não corrobora as teses de um ateu não pode corroborar as de um adúltero e protector de corruptos e malfeitores. Continuo à espera de ver a comunidade de fé a impor-se em todos os sectores onde ela se encontra, sim, mas com base nos valores cristãos. Quanta bobagem dita pelos tele-evangelistas, quantas pseudo-profecias que se transformaram agora em blasfémias, quantos púlpitos entregues a vendedores de votos a troco de licenças de rádio e tv ou apoios a ong fantasmas.. Mas também, se nas igrejas se vendem "água", "pedras" e "óleo" (supostamente) de Israel… como esperar outra coisa?

6. Não é segredo para ninguém que gosto imenso do Brasil, país que acompanho desde a minha adolescência e para o qual trabalhei durante quase sete anos através de uma rádio internacional que transmitia para o Brasil. Antevejo quatro anos de muitas dificuldades: apesar do discurso apaziguador e equilibrado da presidente reeleita, acredito que as bases do PT irão recrudescer a sua intolerância porque sabem que este deverá ser o último mandato. Não acredito que Dilma conseguirá contornar essa teia e fazer um mandato aglutinador de vontades que recupere os valores perdidos - e são muitos -, crie uma economia verdadeiramente produtora e produtiva e assegure uma distribuição de renda menos desigual, assente numa sustentabilidade  duradoira. A Venezuela é um exemplo da radicalização de posições.

7. Meu desejo é que as reformas sociais sejam aprofundadas, mas que a riqueza nacional seja aumentada também, porque é ela que permite maior distribuição de renda, que a educação assuma o seu lugar como pedra angular de qualquer sociedade, que a lei seja real, efectiva e para todos e que o país mantenha a sua alegria, mas com os valores que perduram. E que seja campeão do mundo em 2018.

PS: Se Dilma vai mudar que deixe de se chamar "presidenta".... por favor!

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