Cabo Verde começa a
regressar nesta segunda-feira à normalidade, ou pelo menos, começa a contagem
regressiva para o início de um novo ciclo. Espera-se que assim seja, diga-se em
abono da verdade.
Os resultados da eleição
legislativa de ontem poderão ter surpreendido apenas os mais distraídos, pela
sua dimensão, admitindo, neste momento, que os dois partidos do arco do poder
irão dividir as seis cadeiras no Parlamento reservadas à emigração.
Na verdade, quem estava no
terreno ou quem, como eu, falava constantemente com quem aí se encontrava,
sabia que muito dificilmente Janira Hopffer Almada e a sua entourage conseguiriam travar uma verdade absoluta: tudo que começa
termina, ou seja, há um tempo para nascer e outro para morrer. São os ciclos da
vida.
Num país com os desafios de
Cabo Verde, mesmo com o aparelhamento do Estado, a nível central ou local
– uma prática tanto do PAICV como do MpD, sem qualquer diferença –, muito
dificilmente um partido pode manter-se por ciclos tão grandes no poder. As
costuras cedem.
Em 2011, apesar de estar
num dos momentos mais altos da sua gestão como primeiro-ministro, José Maria
Neves teve de puxar de todos os argumentos e galões para conseguir o terceiro
mandato. O tempo começava a pesar. Mas, felizmente para ele, tinha pela frente
um adversário, Carlos Veiga, que fez, talvez, a sua pior decisão política:
voltar a concorrer depois de ter saído da primatura pela porta pequena. E contra
quem, na altura, tinha obra para apresentar.
Os fardos de JHA
Ao contrário, Janira
Hopffer Almada encontrou à partida dois obstáculos difíceis, antes mesmo de entrar na
estrada: a sua juventude, algo que ainda pesa quando está em causa a governação
do país, e um adversário com obra feita na principal Câmara Municipa do país, apesar
de também ter telhados de vidros, quando esteve à frente do Ministério das
Finanças, mas no longínquo 2001, época em que os eleitores jovens de hoje ainda
eram criancinhas.
À partida Hopffer Almada carregava
nas suas costas alguns fardos, bem pesados:
- - um terceiro
mandato muito fraco a nível de realizações e de combate político, em que o
ú único escudo, e bombeiro, era José Maria Neves.
- - uma gestão sem
grandes resultados à frente do ministério, apesar da sua enorme
capacidade de
trabalho, dedicação e genica, e em que a nomeação do marido para a
administração do
INPS, sob sua tutela, foi uma nódoa.
- - um PAICV
partido e escangalhado depois do “fiasco” presidencial de 2011.
- - Não ter feito
uma transição política consentânea com o passado do PAICV dentro do partido,
optando por não recorrer a alguns “tubarões” que têm as suas redes no terreno,
ainda que apenas para o trabalho de sapa, e por apostar em figuras que já não
representam muito junto do eleitorado, como Manuel Inocêncio Sousa e Eva Ortet,
entre outros. A “sova” no Fogo e o terceiro lugar em São Vicente falam por si.
Para complicar ainda mais a
situação, a jovem líder tambarina, que
vai ter tempo para se preparar para 2021, deu a cara por um Governo que deixou
arrastar processos sem solução por muito tempo e sem qualquer outra justificação
que não seja política ou má gestão: a TACV – que há três anos apontava para
o cenário que vive hoje -, os deslocados de Chã das Caldeiras, a insegurança
urbana e a falta de resposta ao desemprego.
Os excelentes dois
anteriores mandatos (2001-2011) não podiam por si sós aguentar o PAICV no poder
e a sabedoria popular optou por dizer “basta, vamos ver se Ulisses tem solução
mesmo”.
UCS, corredor de fundo
O futuro primeiro-ministro aproveitou
a elevada insatisfação popular para prometer solução e felicidade. Ulisses
Correia e Silva começa um novo ciclo com um boa margem para governar e uma boa
aceitação popular, mas com compromissos muito apertados. A taxa de crescimento anual de 7 por cento, os milhares de novos empregos, a solução para a TACV não se compadecem com pavimentações e urbanização da capital. O buraco é muito mais acima.
A expectativa é enorme e
embora tenha um bom cartão postal, a cidade da Praia, Correia e Silva sabe que,
como afirma erradamente o ditado “o tempo ruge”. Na verdade, a luta política de um
primeiro-ministro não tem nada a ver com a de uma câmara, mas há um exemplo
anterior de um autarca que deu bem no Governo, José Maria Neves.
A gestão da ansiedade
popular será um dos primeiros desafios do novel primeiro-ministro, depois de
colocar ordem no harén ventoínha, na
hora de distribuir os tachos. É que há muito garfo para pouco prato, mas
Ulisses tem-se mostrado um bom corredor da maratona. Não dado a muitos jogos, aponta caminhos e sabe para onde vai.
Se na verdade a sabedoria popular recomendou mudar o balaio dos ovos porque é hora de começar um novo ciclo, não é menos verdade que o MpD vai encontar um eleitorado muito mais exigente e menos paciente com os partidos e os políticos.
Esta é uma leitura da
elevada abstenção registada na eleição de hoje, 33,7 por cento. Na verdade, a
primeira leitura de qualquer taxa elevada de abstenção é um cartão vermelho aos
políticos porque “todos são iguais”. Outra, é que nem o que está vai bem, nem
o que vem irá mudar muita coisa.
Qualquer que seja a
leitura, entendo que essa taxa elevada revela também uma enorme massa crítica
de gente que começa a acreditar na pressão popular, na crítica, na
reivindicação cidadã. Este poderá ser um novo ingrediente a se ter em conta no
ciclo que agora começa e que vai para além de MpD/PAICV.
E por falar em ciclos e
sabedoria, aguardo a decisão de José Maria Neves sobre uma eventual candidatura à Presidência da República porque quanto a Jorge Carlos Fonseca estamos
conversados.
2 comentários:
Com os melhores cumprimentos, será que me pode esclarecer que obras fez Ulisses quando afirma "e um adversário com obra feita na principal Câmara Municipa do país"?
Antecipadamente agradecido
Meu caro, tive um problema com o blog e só agora vejo o seu comentário, que agradeço. Na verdade UCS fez muita obra, que se critique que foi insuficiente ou que não foram as mais felizes, é outra leitura. Quem, como eu, chegou à Praia em 2008 e saiu em 2013, viu a diferença.
Abraço e visite sempre.
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