Há coisas que nos deixam confundidos, por mais
experientes que sejamos, e que podem tirar-nos do foco, ainda que elas sejam
aparentemente insignificantes.
O segundo semestre deste ano para mim chegava
com duas datas marcantes: a cobertura dos Jogos Olímpicos Rio-2016 em Agosto e
o controlo médico em Outubro. Ambas, com uma forte carga emocional, já que a
primeira acarretava uma enorme responsabilidade profissional e teria lugar numa
região apontada pela imprensa mundial e pela opinião pública brasileira como um
inferno (zika, violência e protestos) e a segunda um verdadeiro exame ao
invisível para quem já passou por quatro cânceres.
Quem me conhece ou alguma vez trabalhou comigo
sabe que – desculpem a franqueza – sou intenso, não paro e procuro sempre fazer
o meu melhor, aos detalhes. É, pelo menos, o máximo que dou. E o mês de Agosto
não fugiu à regra: foram 90 videos produzidos (70 entrevistas a atletas,
técnicos, dirigentes, espectadores, e 20 reportagens diversas), cerca de 30 peças de rádios,
centenas de fotos, entradas ao vivo, um blog por actualizar de forma
permanente...
Foi sempre a correr, mas também a correr de
qualquer ameaça do virus do zika ou do mínimo sinal de insegurança. No final, o
Rio de Janeiro foi, de facto, a cidade maravilhosa e não o inferno como foi
pintado.
As férias esperadas
Ao regressar, a Valéria e amigos disseram que
estava muito bem disposto. Na verdade, sentia-me bem, embora cansado, o que era
perfeitamente normal. Cinco dias de férias na primeira semana de Setembro numa
praia a três horas de casa era o paraíso a que mais anelava chegar.
A caminho de Ocean City, uma tempestade tropical
ditou que só podiamos ficar na areia, mas as comodidades do hotel e as ofertas turísticas
da região ocuparam bem a nossa programação, tornando a estada muito agradável.
Até ao último dia.
Na terça-feira, fomos à praia para que Bianca e
Bruna se despedisem da areia antes de regressar à casa. De repente, uma
autêntica invasão de moscas levou muitas pessoas a abondorem o local. Habituado
a moscas, não fosse eu cabo-verdiano, das ilhas onde elas acordam antes do
nascer-do-sol e dormem depois de todo o mundo, fiquei por lá a pantá-las, mas quando senti
ter sido picado e vi que a Valéria tinha as pernas cobertas por uma toalha,
decidimos desmontar o acampamento.
Uma mancha vermelha ao redor da parte posterior
da canela começou a aumentar de intensidade e a provocar muito coceira. Logo eu que
nunca tive sarna, coceirinha ou qualquer
outro tipo de doenças muito banais na minha terra, por exemplo. Na quarta-feira,
tive de ir a um “pronto-socorro” para um primeiro atendimento.
Tipo de coisa é essa?
A coisa complicou e dois dias depois estava eu
internado no hospital, com uma forte reacção em quase todo o corpo, incluindo
nos lábios. Três dermatologistas e dois clínicos gerais não paravam de
perguntar que tipo de mosca me teria picado. A invasão das chamadas moscas
negras foi até notícia num dos jornais locais de Ocean City.
Depois de três dias, regressei a casa, fortemente
medicado com esteroides. O problema é que eles provocam fortes reacções no corpo como inchaço, aumento
de peso, tensão alta, ansiedade,
nervosismo e muitas outras. Continuava a trabalhar, mesmo com esse quadro e
muita comichão.
Pelo meio, tinha o tal controlo semestral
do câncer de pancreas, enquanto um exame à urina indicava que tudo estava bem com a bexiga, cinco anos depois da cirurgia para a sua remoção
e criação de uma neo-bexiga. Ao chegar ao oncologista, olhou para tudo e, em
cinco minutos, disse-me: “tudo está bem contigo, agora em Março, nas vésperas
de completar os três anos da cirurgia, tiramos mais uma foto”.
Entretanto, ao olhar para o diagnóstico da
minha perna e ver que não me sentia confortável, voltou a olhar para o tratamento
e, sorrindo, disse-me “acho que já sofreste mais com esta picada de mosca do
que com todos os cânceres que tiveste!” E não estava a mentir!
No dia seguinte regressei ao clínico geral
que, depois de um certo reajuste do tratamento, recomendou-me um medicamento,
sem receita, e que todos tomam para alergia. Duas horas depois não sentia nada,
recuperei-me e estou melhor do que nunca.
Foco e detalhes
Na verdade, ante ameaças maiores, como
zika, violência ou recorrência de qualquer câncer, foi uma mosca a provocar-me
um transtorno nas minhas merecidas férias. Nunca imaginei que a expressão
idiomática mindelense “se moskinha amjá”
ou “kond moskinha amjá” se aplicaria
tão bem a uma situação real. Na verdade, a expressão que adverte para a
eventualidade de algo inesperado e indesejado acontecer por “azar” aplicou-se a
este caso, literalmente, com a mosca a deixar algo no meu corpo ou, no mínimo,
a provocar uma forte reacção.
Em diversas situações da vida, são coisas
pequenas, insignificantes, que nunca esperamos que venham a acontecer, que podem
colocar areia na engrenagem e fazer-nos perder o foco. O segredo é, exactamente
esse, manter o foco e definir o que é prioritário e aquilo que é secundário.
Nunca confundir a árvore com a floresta.
Neste caso em particular, a picada da mosca e o consequente efeito dos
esteróides por pouco não me tiram do foco, facto que podia levar-me a dar valor
demasiado a uma situação menor, transitória, angustiante. Em consequência, os
resultados excelentes do controlo semestral e o regresso seguro e saudável do
Brasil poderiam ter sido ofuscados completamente, retirando a minha alegria de
saber que a saúde continua bem, nas mãos de Deus.
Como escrevi anteriormente, não poucas
vezes recorro a esta verdade absoluta que diz que “Deus fez as coisas fracas
para confundir as fortes”, para tentar manter o foco naquilo que é importante,
prioritário, sem descurar, no entanto, as areias que podem emperrar o meu
caminhar.
Em tempo, agradeço a Deus pela
reconfirmação dos milagres e reforço a ideia da importância de dar atenção aos
datalhes da vida, das coisas pequenas que podem tornar um problema, enfrentá-los,
mas sem esquecer as prioridades.
Não importa que “moskinha amjá”,
mantenhamos o foco e deixemos que Deus oriente o nosso caminhar.
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