1992: Na era pré-computador pessoal, a minha máquina de escrever eléctrica. Em qualquer lugar, eu escrevia. |
Há 25 anos, num dia como hoje, vi nascer, sob um sol
radiante de Abril, um produto jornalístico que marcou defintivamente a minha
vida profissional e pessoal. Em jeito de preâmbulo, permitam-me dizer, sem vaidade mas com muito
orgulho, ter sido esse dia um marco na luta
pela afirmação de uma imprensa livre em Cabo Verde.
A 26 de Abril de 1991 nascia o jornal A Semana, uma das
primeiras pedras a “brotar” do chão seco das ilhas para dar corpo ao edifício
da democracia cabo-verdiana. O Governo saído das eleições de 13 de Janeiro mal
tinha completado os 100 dias de graça e
já tinha às pernas um jornal disposto a marcar a diferença: ser também ele um
produto dos novos tempos e não filho de nenhum pai “primeiro e
único”.
Lembro-me quando, num encontro qualquer, com aquele seu ar
descontraído de quem convida a uma aventura perigosa como se fosse para um
pique-nique, o Jorge Soares a dizer-me para fazer parte do projecto do jornal.
A minha experiência como jornalista profissional era de apenas oito meses,
ainda gatinhava nessa arte, embora esse
pequeno periodo na então Tevec estivesse a ser muito intenso e produtivo.
Como qualquer caloiro amante do jornalismo disse que sim, sem discutir nada, nem
o que ia fazer e muito menos qualquer subsídio ou avença, como se dizia na
altura. O que sei é que ainda fui a tempo de participar na eleição do título do
jornal e fiz "campanha" contra o próprio Jorge que defendia o nome Correio das Ilhas. Ganhou o A
Semana. O Jorge é assim, democrata convicto. Comecei bem, pelos vistos.
Dois dias antes do primeiro número sair à rua, o colega
Julio Vera-Cruz Martins foi agredido por um membro do Governo quando fazia a
cobertura da instalação dos novos dirigentes nas residências oficiais. Era um
sinal de que a luta seria enorme, frente a um poder a fazer a sua natural luta de afirmação, num mercado publicitário praticamente
inexistente e numa situação completamente nova, tanto para os poderes públicos,
em particular o Governo, como para os profissionais de comunicação. E para a sociedade, também.
Moderador de um dos debates da Fundação Friedrich Ebert, tendo como palestrante o actual Prsidente da República |
A trajectória
Desse dia até Julho de 2000, quando decidi sair de Cabo Verde, vivi intensamente cada dia o jornal, mesmo não tendo um salário ou avença regular até o ano de 1994, quando as coisas começaram a melhorar. Pelo meio, participei como moderador de seminários de algumas organizações não governamentais cujo debate era depois publicado, como uma forma creativa de ajudar a superar a crise financeira do jornal e nas despesas da casa.
Fiz de tudo: escrevi sobre todos os temas, responsabilizei-me pelo desporto, fiz de re-writter, assumi a edição vezes sem conta, fui fotógrafo, carreguei papel, transportei jornal, digitei textos, fui condutor, engoli sapos e dos grandes, nunca escolhi os temas que davam a capa ou a página 2, nem promovi o meu trabalho pessoal, não tive problemas em assumir papel secundário em assuntos que eu tinha investigado, paguei por coisas que não fiz. Mas nunca fui desonesto, mau carácter, preguiçoso, desleal, nem me aproveitei do jornal para nada.
Mas não me importava. O sonho de afrmação de um produto marcado para morrer, a juventude e a vontade de fazer o que
mais gostava superavam as perdas tanto financeiras como de tempo para estar
mais com a família. Como brincava o Lulu Cardoso da Silva, eu tinha 17 trabalhos e por
isso, graças a Deus também, provisão
nunca faltou. Fazia televisão, apesar de demitido duas vezes por ser incómodo,
editava revistas, escrevia textos, era correspondente de jornais internacionais
e da Voz da América, dava aulas, fazia consultoria, os tempos exigiam e as
repostas tinham de surgir. O meu filho cresceu entre aquelas mesas...
Ameaças não faltaram – inclusive que iam queimar o carro
pessoal do Jorge -, cartas anónimas se amontoaram na gaveta, chegar à casa de
madrugada exigia um cuidado redobrado, não sei quantas vezes encontrei as rodas
do meu carro furadas, as quatro, os desfiles pelo tribunal se multiplicaram, amigos
começaram a acreditar nas bocas que insinuavam alinhamentos partidários e
políticos, investigações sobre eventuais ligações ao partido único multiplicavam-se. Mas como quem não deve não teme… Para a risada geral, um dos investigadores dessas pretensas ligações, cujo nome não revelo porque não está entre nós, disse-me que os dois jornalistas que na verdade tinham feito fretes à secreta já estavam alinhados com o novo poder!!!
Eram tempos difíceis, mas necessários. De um lado, ajudaram
a desbravar o caminho e, do outro, encurtaram a minha aprendizagem na profissão
e, principalmente, na minha afirmação como jornalista. Aprendi muito, com todos os colegas a quem pedia que me corrigissem,
cedo entendi que o que aprendi em casa era pedra basilar da profissão - verdade - e procurei-a sempre, e descobri que muito mais
importante do que se escreve ou de como se escreve, é criar uma
relação verdadeira com fontes sérias e seguras.
Como sempre afimei nos círculos mais próximos, independentemente de quem estivesse no
poder nessa primeira década, aqueles anos teriam sido mais ou menos semelhantes
porque todos estávamos a aprender. Creio
que no jornal, aprendemos bem cedo e rapidamente, muito mais e melhor do que os
políticos, de todos os quadrantes, e da própria sociedade. Me desculpem se isso
roça a vaidade, mas não é.
Testes de afirmação
Lembro-me do primeiro grande teste do jornal, nas vésperas das primeiras eleições autárquicas de 1992. Uma entrevista ao então candidato do MpD, Jacinto Santos, em resposta a outra do candidato do PAICV, levou a Grafedito, propriedade daquele partido, a decidir pela suspensão da impressão do jornal. Jorge e eu fomos lá de madrugada e o jornal saiu à rua na véspera das eleições.
Mais tarde, aquando da primeira cisão do MpD, fomos
conotados com Eurico Monteiro e o PCD, na eleição do secretário-geral do PAICV pós-1991 fomos acusados de fazer campanha por uma eventual candidatura de
Corsino Tolentino, mais tarde os “conselheiros populares” disseram que ajudamos
Jacinto Santos a criar o PRS e a fomentar o escândalo da Enacol,
finalmente, fomos tachados de promotores da então List J, quando José Maria
Neves concorreu contra Pedro Pires à liderança do PAICV.
Pelo meio, a supressão da publicidade das empresas públicas, que dominavam o mercado, a insistência de muitos membros do Governo em não falar com o jornal, as pressões da oposição para que o A Semana fosse o seu porta-voz, os processos judiciais com a benção da Procuradoria-Geral da República calejaram as nossas mãos, ao mesmo tempo que a maturidade democrática de Cabo Verde dava sinais de crescimento. É bom dizer que o poder de então também jogou a toalha ao ver que o jornal não estava serviço de ninguém, mas consciente do seu papel. A pouco e pouco, a tensão distendeu-se e todos ganharam.
Pelo meio, a supressão da publicidade das empresas públicas, que dominavam o mercado, a insistência de muitos membros do Governo em não falar com o jornal, as pressões da oposição para que o A Semana fosse o seu porta-voz, os processos judiciais com a benção da Procuradoria-Geral da República calejaram as nossas mãos, ao mesmo tempo que a maturidade democrática de Cabo Verde dava sinais de crescimento. É bom dizer que o poder de então também jogou a toalha ao ver que o jornal não estava serviço de ninguém, mas consciente do seu papel. A pouco e pouco, a tensão distendeu-se e todos ganharam.
Tanto com Jorge Soares, um sonhador
resiliente, como Filomena Silva,
guerreira com todas as letras, à frente, o jornal foi fazendo o seu caminho,
que, volto a pedir que me desculpem, foi pioneiro no surgimento de uma imprensa
livre em Cabo Verde. Houve dias de desânimo total, registaram-se muitas perdas
pessoais, as portas por pouco não se fecharam, muito gente desisitiu, mas o A
Semana seguiu e, com erros e muitos acertos, afirmou-se definitivamente como um
farol para a imprensa das ilhas.
Uma nota: com tanta pressão e processos judiciais, uma janela foi aberta e o Jorge Soares decidiu exilar-se nos Estados Unidos, tendo recebido o tal estatuto pelas autoridades americanas.
Como disse anteriormente, deixei o jornal e o país em 2000.
Uma nota: com tanta pressão e processos judiciais, uma janela foi aberta e o Jorge Soares decidiu exilar-se nos Estados Unidos, tendo recebido o tal estatuto pelas autoridades americanas.
Como disse anteriormente, deixei o jornal e o país em 2000.
Nessas Bodas de Prata, ergo a taça a todos que abraçaram
esse projecto apelidado por muitos de “uma aventura sem futuro” em 1991. Com todos aprendi, com todos sofri e com todos venci, de todos
tenho as melhores recordações. Ao Alírio Dias de Pina, actual director e o
único que tem os 9.300 dias às costas, um “até sempre” e que continue o sonho.
O jornal comprovou, uma vez mais, uma verdade absoluta: “o
choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”.
O sucesso honesto é dos que sonham e trabalham, melhorando
sempre. Se fosse possível regressar no tempo, voltaria a abraçar o projecto A
Semana, do qual sou filho e ao qual devo muito, como profissional e como homem.
2 comentários:
Você , um jornalista com J maiúsculo ! Meu sempre irmão Alvarito.
Um abração,
Tchuney
Grande suspresa meu irmão, só hoje vi o teu comentário. Manda-me o teu contacto. Sempre pergunto ao João por ti… Espero que tudo esteja a correr bem. Dá um salto aqui, eu moro a 3 horas do João. Deus contigo.
Obrigado pelas palavras, vindas de quem vêm
Alvarito
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